Tanta gente deprimida que segue com a sua vida para a frente! E eu não consigo…

Maria já não sabe o que fazer. Tudo na sua vida parece cinzento. Tem uma família perfeita, um marido que faz tudo por ela, dois filhos que adoram a mãe, uma vida abastada, como ela nunca imaginou ter. Uma casa a seu gosto, que teve sempre a liberdade e a possibilidade de a decorar como quis, dois carros, uma casa na praia, uma casa no campo, um trabalho que antes adorava. Tudo na sua vida não justificava o seu sentir. O que se passava com ela? Desde há algum tempo que tudo parecia insípido, insuficiente, que nada lhe dava prazer, e tudo era feito com esforço. Um peso nos seus ombros, um aperto no peito que nunca lhe dava descanso. O tempo não ajudava. Quanto mais o tempo passava, mais a vida lhe parecia difícil. E ainda por cima, para ela, nada disto fazia sentido. Como tinha ela chegado a este ponto. Deixara de ser esposa, não conseguia ser mãe, nem se sentia pessoa. Arrastava-se da cama para o sofá, e do sofá para a cama. Abria o frigorífico e parecia que nada lhe apetecia, e com isso já perdera peso, e quando se olhava ao espelho, um dos seus maiores inimigos, parecia uma amostra do já tinha sido. E pensava todos os dias na ingratidão que era o seu ser: não tinha razão para assim se sentir. E isso ainda a deitava mais abaixo. Outrora já tinha sido feliz. Lembra-se distantemente desses momentos, onde a vida lhe sorria, onde ela era capaz. Sentimento agora desaparecido, a capacidade. E olhava à sua volta e ainda mais triste se sentia. Ouvia tantos que lhe diziam que também estavam deprimidos e seguiam com a sua vida. Que trabalhavam, enquanto ela estava de baixa há tanto tempo, que já medo sentia de voltar aquele lugar, que eram pais e mães, que eram pessoas, enquanto ela se sentia uma manta de retalhos, e que nunca mais sairia deste fosso de lodo que a prendia, e quanto mais ela batalhara no passado, mais enterrada ficava. Era tão difícil para ela admitir que precisava de ajuda. Isso seria a confirmação do fracasso que se sentia. O marido já insistira, mas ela sentia que sozinha não conseguiria voltar à sua vida. E mais uma ouvia “Eu também estou deprimida, mas sabes não me posso dar ao luxo de ficar em casa”, como se fosse um luxo ao capricho o seu sofrimento. E mais uma vez lhe diziam, amigos e estranhos “tens de te erguer de novo, faz um esforço.”, e mais uma vez ninguém percebia que ela tentava todos os dias, e que o que fazia, era o que conseguia. E quanto mais ouvia estas coisas pior se sentia. Olhava para os olhos tristes dos filhos, que sentiam que a mãe já quase não existia, e para ela era mais uma facada no peito que sentia. Seria então uma opção?

 

Considerando que existem sete mil milhões de pessoas no mundo, e que a Organização Mundial de Saúde refere que existe uma média de cento e vinte e um milhões de pessoas com um quadro que permite um diagnóstico de um quadro clínico de depressão, nas suas diversas manifestações, vemos então que existe uma prevalência de 1,7% da população que é portadora desta doença. Então porque ouvimos tantas pessoas que se auto-referem como deprimidas? Isto inicialmente deve-se ao desenvolvimento massivo a nível de países, e que é verificado que quanto mais o país é desenvolvido, com visões mais capitalistas, tem mais psiquiatras por metro quadrado, podemos então afirmar que existem factores extra biológicos que justificam esse mesmo quadro clínico. Ou seja, quanto mais temos acesso a diferentes objectos de desejo, variedade de produtos, e afins, maior se torna a nossa lista de necessidades, e a não concretização das mesmas aumentam exponencialmente o sentimento de insuficiência na nossa vida. Pegando no exemplo, inclusivamente nacional, e olhando para as pequenas comunidades do interior de Portugal, em que o acesso a recursos diversificados é limitado pelo isolamento dessas regiões, a lista de necessidade sendo ela mais reduzida, mais facilmente as pessoas sentem as seus desejos satisfeitos, e logo diminuem algumas variáveis que contribuem para quadros depressivos. Por outro lado, existem vários tipos de depressão, em que alguns tipos tornam-se essências à aceitação de perdas naturais da nossa vida, como por exemplo a morte de um pai ou mãe numa idade avançada, de forma a não se desenvolver um quadro de luto patológico, outras tem uma valência mais biológica, em que elas perduram mesmo mudando algumas condições externas à pessoa, tendo nestes casos que se recorrer à introdução de psico-farmacos. Em ambos os casos o acesso a psicoterapia é essencial no seu tratamento.

Então porque é que tanta gente se auto rotula como depressivas, e alem disso parecem que conseguem viver sem qualquer limitação evidente? Isto deve-se ao facto da banalização da palavra depressão. Os quadros clínicos de depressão, devem ser avaliados e diagnosticados por técnicos de saúde mental, pois muitas vezes se confundem sentimentos de tristeza, de burn-out profissional, alguns sintomas físicos, que podem ser semelhantes aos verificados nos casos de depressão clínica, que contribuem para este denominação incorrecta e uso excessivo deste termo. Quando olhamos para os critérios necessários para este diagnóstico, o primeiro e primordial, e a interferência de forma evidente destes mesmos sintomas na vida quotidiana da vida do paciente. Outros são os critérios que vos convido a pesquisarem, em que podemos afirmar que os mais conhecidos são sentimentos de tristeza profunda e melancolia mantidos durante um período alargado de tempo, uma incapacidade de olhar para si e para o futuro de forma justa e realista, pois parece que este quadro nos coloca um filtro cinzento à frente dos nossos olhos, e que faz com que tenhamos uma visão em túnel e que impossibilite uma plasticidade de conseguirmos dar significado diferente às diferentes áreas da vida da pessoa. Com a banalização desta palavra, contribui para o agravamento desta percepção  que esta doença têm em si. Comentários como “eu também estou deprimida e sigo com a minha vida” ou “tens de fazer um esforço” ou “tu podes dar-te ao luxo de estares deprimida” vêem corrobore a ideia negativa que os doentes sofrem de depressão tem de si. Como antes foi referido esta doença é verificada em quase duas pessoas em cem, e pelo que ouvimos parece ser uma doença mais prevalente do que é na realidade. Procure ajuda especializada se começar a ter os sintomas mais conhecidos da depressão, para correctamente ser avaliada, e ser tratada atempadamente, pois quanto mais tempo se vive com a doença, mais difícil se torna o sobreviver a ela!